Caminho para o discipulado missionário
Caminho para o discipulado missionário
Publicado em 22 de maio de 2012 na Seção: Entrevista, Liderança, Página Inicial
Caminho para o discipulado missionário
Para refletir sobre a presença e a vocação das religiosas e religiosos
no mundo, a revista Paróquias & casas Religiosas convida Ir. Márian
Ambrósio, IDP – Presidente da CRB (Conferência dos Religiosos do
Brasil), para esta entrevista, onde ela apresenta os valores sempre
atuais da Vida Religiosa, apontando-a como sinal de uma experiência e
testemunho de vida de homens e mulheres que se consagram a Deus e ainda
faz uma leitura sobre as atividades missionárias assumidas no Haiti, e a
fecunda participação nos organismos institucionais ligados ao dinamismo
de todas das inúmeras comunidades daqueles que professam publicamente
os Conselhos Evangélicos.
A presença dos religiosos no ‘mundo’ é sinal da
fecunda ação de Deus na vida do consagrado e da consagrada. Por isso,
como observar a prática dos conselhos evangélicos em uma realidade
pós-moderna?
A Vida Religiosa Consagrada é, por natureza, testemunhal. A palavra
Consagração, em sentindo bíblico, quer dizer ‘separação’. Deus, autor da
vida e da vocação, separa dentre leigas, leigos e presbíteros, pessoas a
quem ‘separa’ para sinalizar valores de seu Reino definitivo. Nessa
perspectiva, é significativo perceber o incontável número de Carismas
Fundacionais, por meio dos quais o Espírito Santo suscita grupos de
consagradas e consagrados para vizibilizarem por sua vida e missão, um
determinado aspecto do rosto de Deus. Por meio do testemunho carismático
das pessoas consagradas que vivem em diferentes Institutos (cada qual
com seu carisma específico), o mundo pode ler o Evangelho de Jesus.
Outro traço do testemunho da vivência dos valores do Reino está na
‘Profissão pública dos Conselhos Evangélicos de Pobreza, Castidade e
Obediência’. Por muito tempo, estes votos foram compreendidos e vividos
como sinal de renúncia, de ascese, da parte das pessoas consagradas. O
foco da consagração ressaltava que, ao deixarem de viver determinados
valores, Religiosas e Religiosos faziam uma escolha por algo melhor,
superior, que afastava do mundo e aproximava mais de Deus.
Com o cultivo da forte consciência de uma única vocação de todos os
cristãos à mesma santidade e ao igual valor de cada vocação, a Vida
Religiosa ressignifica a compreensão e a vivência dos Conselhos
Evangélicos. Cada um dos três votos Anuncia um valor. Pela Castidade
consagrada, anunciamos o valor absoluto e indiviso do ‘amor de Deus’
para além dos vínculos familiares, amor que nasce de nosso coração
atraído de modo particular pelos que mais carecem de amor; pela Pobreza
consagrada, anunciamos ‘Deus presente’ lá onde outro ser humano nada ou
ninguém tem a seu lado, presença que gera partilha e gratuidade no ser;
pela Obediência consagrada anunciamos que a ‘vontade de Deus’ deve ser
obedecida, vontade divina que desperta a liberdade fundamental para o
envio missionário e solidário. Os ‘Conselhos Evangélicos’ estabelecem
uma relação nova, não mais somente com as coisas (dinheiro, corpo,
lugar), mas uma renovada relação com as pessoas que clamam por seu
direito fundamental de viver com dignidade.
Quais motivos levaram a CRB Nacional se dedicar em uma ação apostólica em terra estrangeira, como o Haiti?
A motivação para qualquer resposta missionária da Vida Religiosa
Consagrada é sempre a mesma, e é fundamental – compreendemos a missão
como engajamento na paixão missionária de Deus. Buscamos ouvir os apelos
de Deus, lá onde a vida clama.
A CRB Nacional é uma Conferência de animação e coordenação da Vida
Religiosa Consagrada, e há muito tempo motiva as Congregações a uma
presença profética e solidária em lugares de fronteira. Foi assim em
direção ao Nordeste do Brasil, em direção à Amazônia, em direção à
África, em direção ao Timor Leste, primeira experiência
intercongregacional além fronteiras.
Imediatamente após a catástrofe produzida pelo terremoto de janeiro de
2010, a CRB iniciou o processo de conscientização e preparação e envio
de uma comunidade missionária. Esse projeto é da Igreja do Brasil, pois
congrega as grandes forças missionárias da Igreja do Brasil, e
representa todo o povo brasileiro que o mantém, por meio da coleta
realizada pela Caritas Brasileira.
Como se formou a comunidade de religiosas e religiosos brasileiros para atuar junto ao povo do Haiti?
Os primeiros sinais de que haveria uma comunidade religiosa
intercongregacional no Haiti, vieram das próprias religiosas, mulheres
corajosas que se apresentaram para o envio. É gratificante sentir, tocar
esse espírito de doação e iniciativa. Os passos seguintes foram
consequência destes “sim, eu vou”, que se multiplicaram. Os critérios
que orientaram o envio das seis primeiras missionárias que lá se
encontram hoje, foram: vocação missionária, capacidade de aprender
outros idiomas, conhecimento e experiência nas áreas da saúde e/ou
pedagogia, escolha livre pela vida do povo haitiano.
As Irmãs vivem em um bairro de Porto Príncipe, em comunidade religiosa
intercongregacional, e se dedicam integralmente à defesa da vida do
povo, principalmente na luta pela superação da fome extrema. Acima de
tudo, testemunham o amor de Deus por quem tanto precisa dele e de nós.
Sabe-se que em algumas reuniões de Conferências Episcopais as
Conferências dos Religiosos participam com voz, mas não voto, qual a
participação da CRB nas assembleias da CNBB?
A CRB Nacional valoriza e cultiva intensa
comunhão com a CNBB. Institucionalmente, o vínculo mais direto se dá por
meio da Comissão Episcopal para Ministérios Ordenados e Vida
Consagrada. Esta Comissão designa um Bispo para o acompanhamento da Vida
Religiosa Consagrada e o diálogo, é o caminho da aproximação.
A Presidente da CRB Nacional participa normalmente de todas as reuniões
do CONSEP (Conselho de Pastoral) e do Conselho Permanente da CNBB, com
atuação responsável e propositiva. O fato de não ter direito de voto é
normal e natural, basta lembrar que, em Assembleias da CRB, votam
igualmente somente Superioras e Superiores Maiores. A razão primeira de
toda a participação integrada entre os Organismos do Povo de Deus é a
vivência e o testemunho de comunhão, na Igreja que somos nós, para a
sociedade junto aos quais nos inserimos em missão.
Em uma linha de vanguarda a CRB já nasceu com conferências das Religiosas e dos Religiosos, o que pode sinalizar isso?
Exatamente. Desde seus primeiros dias, a CRB Nacional levantou a
bandeira da renovação, da integração, da questão de gênero, da comunhão.
Sempre foi significativo para a CRB Nacional, o fato de o centro de
todos os Projetos ser seguimento de Jesus e o compromisso com o Reino.
Essa postura é fundamental para todas as Instituições. Com um projeto
central claro e definido, todo o restante se torna consequência.
Quando se contempla a logomarca da CRB Nacional, se percebe a riqueza
das duas mãos que se levantam unidas em direção ao alto que, por sua
vez, está aberto ao infinito. Essa disposição para a centralidade comum
continua sendo um princípio fundamental da CRB Nacional.
Que relação mantém a CRB com a CLAR (Confederação Latino-americana
de Religiosos e Religiosas da América Latina e Caribe), a UISG (União
Internacional das Superioras Gerais) e USG (União dos Superiores
Gerais)?
A relação com a CLAR é imediata, isto significa uma relação direta, de
primeira hora. A CRB foi parceira privilegiada na criação da CLAR,
atuando diretamente nos processos de reflexão teológica e bíblica.
Representantes da CRB exerceram sempre funções de corresponsabilidade em
todas as instâncias – da Presidência à assessoria e secretaria
executiva. A CRB tem sido anfitriã de muitos processos de reflexão e de
elaboração de subsídios, além da realização de Seminários e Congressos. O
atual Presidente da CLAR, Irmão Paulo Petry, religioso de La Salle,
brasileiro, foi eleito enquanto era primeiro vice-presidente da CRB
Nacional.
A relação com a UISG, União Internacional das Superioras Gerais, se
apresenta por meio da USG-CB, União das Superioras Gerais de Fundações
Brasileiras, um dos setores de destaque da CRB Nacional. Ainda nesse
ano, nos últimos dias do mês de novembro, a Cidade de Aparecida sediará
uma Sessão ampliada da UISG, como espaço de conhecimento de experiências
significativas da Vida Religosa no Brasil. A relação com a USG se faz
diretamente por meio da participação dos Superiores Gerais das
Congregações masculinas associadas à CRB Nacional. No Brasil, existe um
número pequeno de Sedes Gerais Masculinas, o que pode significar menor
vizibilidade dessa União, sem que isso diminua o sentido da pertença e
da comunhão.
Para finalizar, como a senhora analisa a vocação e a presença dos religiosos e religiosas no Brasil, hoje?
A Vida Religiosa Consagrada no Brasil vive hoje um momento histórico de
fortalecimento de sua identidade. Principalmente a Vida Religiosa
Feminina foi reconhecida, por vários séculos, pela sua atuação em
âmbitos de Ação Pastoral, de Ação Apostólica e de Ação Social. As marcas
da presença e da atuação nestes espaços permanecerão indeléveis.
Hoje, porém, inseridas em outro paradigma sócio-político, emergem outros
cenários que desafiam a Vida Religiosa, novas fronteiras que
consideramos espaços de missão. Lugares onde a vida está ameaçada antes
de conhecer a luz, onde Jesus é desconhecido, onde as relações estão
quebradas, onde os direitos humanos são desrespeitados.
Podemos afirmar que a Vida Religosa vive o privilegiado momento do
discipulado missionário.
FONTE: http://revistaparoquias1.hospedagemdesites.ws/?p=3551
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